Você pode me ouvir doutor?

Essa é a parte dedicada a você, visitante desse site . Ela conterá depoimentos sobre a relação médico-paciente que servirão para grupos de discussão , para participar clique no link mensagens e  escreva a sua experiência.

 

 

Foi no meu primeiro dia de aula no Hospital Infantil Albert Sabin. Eu estava bastante apreensivo, pois nunca havia feito anamnese e exame físico numa criança, e pelo pouco que sei da medicina, estou ainda no quinto semestre, a anamnese e o exame físico em crianças tem lá suas peculiaridades. Bem, estava muito empolgado, pois o ambulatório estava muito movimentado com vários pacientes. Quando um paciente vem até você, sempre há aquela preocupação de fazer tudo certinho, de ter cuidado com o paciente, de construir um bom relacionamento com o mesmo, para poder em fim fazer um bom trabalho, seja como estudante de medicina ou como profissional já formado. Já havia atendido três crianças e todas as consultas tinham ocorrido muito bem. Quando fui atender o quarto paciente, um menino de 8 anos, a consulta começou bem. Conversei bastante com o garoto e sua mãe procurando entender o que estava acontecendo com ele e o porquê dele fazer tratamento ali no ambulatório. Depois, fui examiná-lo e num ato quase inconsciente, quando fui examinar sua garganta, eu disse: “Abre a boca.” E simplesmente coloquei o palito na boca da criança para poder abaixar a língua. O garoto cuspiu o palito e ficou de cara fechada. Pedi para ele deitar para que eu pudesse continuar o exame, mas ele disse que não, que eu não iria mais examiná-lo. Eu fiquei sem saber o que fazer e me perguntava o que eu havia feito de errado para o garoto ter mudado completamente de atitude comigo. Comecei a conversar com ele novamente. Perguntei se ele estava com raiva e depois de muita conversa consegui terminar o exame. Aí pra minha surpresa ele virou pra mim e falou: “É agora eu vi que tu é um doutor legal, mas naquela hora que tu enfiou o palito na minha boca eu fiquei com raiva de ti, por que eu tava com medo do que tu ia fazer e aí tu empurrou o palito na minha boca e nem me disse nada.” Depois que ele disse isso eu fiquei pensando no que eu havia feito. Acho que o erro que cometi, não importa ser com uma criança, com um adulto ou com um idoso, serve de lição para todos nós que exercemos a prática médica. Saber escutar e principalmente saber falar com o paciente é essencial para a construção de uma boa relação médico-paciente. Sei que é preciso estar sempre se policiando para não cometer erros, como o que eu fiz. Mas também o mais importante é saber aprender com os erros para não errar novamente!

João Tarcísio Alves Maia Filho

Estudante de medicina do 6° semestre da UFC

Integrante do PROVIMP

 

Dona Ronalda (nome fictício), de 83 anos, residente em Fortaleza veio para sua consulta no ambulatório geral de Geriatria seguindo pedido de outro médico que pediu que ela “viesse mostrar os remédios”. Faz uso de sinvastatina. (Possuía duas caixas de nomes diferentes e doses diferentes, mas ambas eram sinvastatina).

Suas queixas eram de uma tontura e “agonia” a qual não soubemos explorar de melhor forma.Seu discurso era de caráter negativo, inquieto e raivoso, falando continuamente e retornando sempre a pontos sobre os quais ela já havia falado.

Falava de um ladrão que entrou em sua casa e ela ficou com medo de dormir, por isso pediu ajuda aos seus filhos, que moravam nas casas vizinhas a ela e que se recusaram a ajudá-la. Dizia que morava sozinha e fazia tudo sozinha, mas que acordava pela manhã sentindo “desprezo” pelo seu abandono.

Ao ser questionada sobre algo, demorava a focar sua atenção, pois falava continuamente. Quando finalmente prendíamos sua atenção e fazíamos a pergunta, ela voltava a falar que vivia sozinha, ou que tudo que sentia era “tontura, agonia e desprezo”, que os filhos a abandonaram.Chegou a quase chorar durante a consulta algumas vezes.

Ao ser chamado o geriatra responsável pelo ambulatório, discutimos a respeito da dificuldade de coletar a história e falamos tudo o que pudemos obter da paciente.Seus exames laboratoriais realmente mostravam uma dislipidemia e nossa hipótese diagnóstica ficou um pouco complicada, pois ela se mostrava com um quadro depressivo, mas de caráter que concluímos mais social que psicossomático.Em suma, não havia muito a ser feita pela paciente naquelas condições.O médico nos instruiu a passar a sinvastatina corretamente, receitar fluoxetina e transferí-la para uma consulta com o psicólogo.

Após a saída do médico, começamos a dar a instruções a paciente.Mal terminamos de falar a respeito de sua consulta com o psicólogo, a consulta encaminhou-se para um destino lamentável , a paciente ficou indignada pois não admitia que necessitava de uma consulta com o psicólogo e não prestou atenção nas demais recomendações sobre a medicação. No final da consulta, a assistente social teve que intervir a fim de convencer a paciente , não se sabe se Dona Ronalda seguiu o tratamento.

 

FÁBIO CAMELO MOURÃO

ESTUDANTE DE MEDICINA  DA UFC

EX-INTEGRANTE DO PROVIMP

 

 

         Esse semestre tenho tido bons exemplos de relação médico paciente, dada as devidas proporções inclusive com médicos que muitas vezes por estigma apresentam interações com os pacientes ruins, como os cirurgiões.

          Quando o semestre começou pensava que seria um verdadeiro martírio por serem especialidades médicas que achava que não me identificava e quão grata surpresa foi quando começaram as aulas. Os médicos que foram responsabilizados pelo meu aprendizado tentavam sempre estabelecer elos com seus pacientes alguns espelhando técnicas que muitas vezes só tinha lido, outros estabeleciam esse elo através da experiência que adquiriram através da sua prática.

         Dentre as muitas experiências que venho tendo, tem um professor que vem me inquietando. Ele é super competente, poço de conhecimento sobre os assuntos, tem um coração de “ouro”, porém venho percebendo que apesar disso não percebo conhecimento sobre as habilidades de comunicação nele. A anamnese às vezes é “truncada” no exame físico as vezes noto um grau de desconforto do paciente, porém apesar dessas minhas observações percebo que ao final da consulta os paciente estão extremamente agradecidos e satisfeitos.

Isso me inquietava, fazendo que me perguntasse: “O que ele tinha de especial?”. Pensando sobre o que esse professor tinha de especial, lembrei de outro professor que igualmente cometia falhas às vezes ainda piores na comunicação com seus pacientes, como chamá-los de gordos sem o menor tato.

Então estudando sobre consulta médica e sobre os fatores psicológicos que muitas vezes estão envolvidos nesse momento único da consulta encontrei a resposta. Em um dos parágrafos que estudei, o autor do livro falava sobre a importância do médico se preocupar com seus pacientes e ainda fazia a ressalva que o profissional deveria realmente se importar, pois caso isso fosse uma simulação o paciente perceberia, o que poderia comprometer ainda mais a interessam médico-paciente.

Essa descoberta abriu minha mente para outros questionamentos. De que vale todo o conhecimento científico e técnico se não conseguirmos expressa-los através do cuidado que temos com nosso pacientes? Será que esse ímpeto de cuidar que alguns têm na medicina é a famosa vocação médica? Será que os médicos que estão se formado hoje sabem que cuidar vai além de prescrição de medicamentos? Alguns colegas estudantes, algumas vezes, comentam que não são psicólogos; mas só os psicólogos que podem escutar as pessoas?

Eu gosto que alguém me escute, mesmo que não seja meu amigo, quando tenho problemas....

MOISÉS FRANCISCO DA CRUZ NETO

ESTUDANTE DE MEDICINA  DO 7º SEMESTRE

INTEGRANTE DO PROVIMP

 

 

  Não queria que essa vivência fosse mais uma crítica aos médicos que não descobriram como ter uma boa relação com seus pacientes e familiares. Disse “descobrir como ter”, porque muitos até sabem que isso é importante, mas não conhecem o melhor jeito de estabelecer um bom relacionamento.

Buscando alguma história que servisse de exemplo para mim, sempre me lembro dos médicos que trataram meu avô nos últimos meses de sua vida. Eram três médicos, um mais velho e dois mais jovens, que, com o passar do tempo, foram desaparecendo. Um deles serve de exemplo para mim: um jovem clínico geral, que, depois da internação de meu avô, cuidou dele até o fim. No entanto, não é sobre ele que quero falar, mas sobre o outro médico, um jovem cardiologista que sempre andava apressado e agitado, não tinha muito tempo para discutir as condutas com a família e algumas vezes até se mostrava bastante intransigente(essas especialidades foram modificadas).

No decorrer dos meses, o cardiologista foi “pisando na bola” com a família. Ele dificilmente se mostrava disposto a conversar conosco sobre as condutas e assumia uma postura autoritária. Quando entrava no quarto do hospital, trazia sempre frases imperativas e falava alto. Tudo bem que meu avô já não ouvia tanto quanto um garoto, mas por que meu avô conseguia escutar o outro médico e esse não? Para mim, esse médico mostrou algumas atitudes que espero nunca tomar.

A situação do meu avô foi cada vez piorando mais, e um dos exames que ele fez acabou por mandá-lo à UTI. Justamente quando eu estava visitando o vovô, o cardiologista chegou, como sempre com pressa e com postura arrogante. Quando o vi, pensei: ”espero que não venha aqui agora”. Não deu outra... O primeiro leito a que ele se dirigiu foi o nosso. Ele veio e foi logo perguntando como o vovô estava. O vovô estava um pouco desorientado e queria falar alguma coisa com ele. Tirar alguma dúvida, quem sabe. Mas o doutor não deixou que ele falasse. Queria só as respostas das suas perguntas e depois começou a mandar o vovô escarrar: ”Não, Seu José! Não fale! Quero que o senhor escarre! Vamos homem! Escarre!” Foi desagradável presenciar essa cena, mas, por querer ficar com meu avô, preferi esperar ali. Depois de algum tempo nessa saga para escarrar, o médico virou para mim e, com o semblante sério, parecendo até um pouco abatido, disse: “É difícil! Ver o paciente assim e não poder ajudar! É como se eu tivesse vendo alguém indo para um precipício e não pudesse fazer nada”. Então ele se despediu e foi embora.

Refletindo sobre o assunto, a conduta dele não foi das melhores, e o comentário teria sido bastante infeliz se fosse com qualquer outra pessoa da minha família. Mas, para mim, naquele momento, foi importante. Naquele momento, ele mostrou o ser humano por trás da “armadura” de médico, que realmente se importava, que não era tão mecânico como tentava transparecer. Mostrou que era um homem, e aos homens é dado direito de errar. Esse médico permanece para mim como exemplo de muitas coisas que não quero ser, mas ele serviu para me fazer pensar um pouco sobre todas as vezes que eu o julguei, sem saber o que se passava em sua vida. Sei que a dor do sofrimento do meu avô era minha, mas será que era só minha? Quantas vezes julgamos e generalizamos nossos futuros colegas de profissão por algum erro que tenham cometido? Não estou defendendo o direito de ser negligente, imprudente, ou imperito, de forma alguma. Estou apenas tentando ser um pouco mais compreensivo com as pressões e medos que cada um sofre e tem. Quem sabe aquela forma alvoroçada de passar no quarto não era uma forma de evitar se envolver mais na dor da família? Como diz o meu irmão “ninguém erra porque querer, todos erram querendo acertar”.

MOISÉS FRANCISCO DA CRUZ NETO

ESTUDANTE DE MEDICINA DO 7º SEMESTRE DA UFC

INTEGRANTE DO PROVIMP

 

             Com 81 anos, minha avó necessita de visitas médicas com frequência, além de um número considerável de remédios a serem tomados por dia. Nada mais comum para alguém que chega a essa idade.Além das visitas regulares, ainda surgem vez por outra uma emergência, como quando ela estava com os braços e rosto incomodando por coçar demais. Minha mãe, então, levou-a para uma consulta de emergência com um clínico geral.

             Suspeitando de uma reação alérgica, solicitou uma medicação para alívio dos sintomas. Depois de uns 30 minutos de ter sido medicada, ela voltou ao consultório para ser reavaliada. Embora tivesse melhorado, a coceira havia diminuído, os braços ainda estavam muito vermelhos e quentes. O médico achou que se tratava de uma provável reação medicamentosa pela quantidade de remédios que minha avó vinha ingerindo. Sugeriu que ela procurasse um dermatologista e, ainda tocando nos braços dela, como em uma massagem, ele pediu desculpas por não poder ajudar mais, já que não a acompanhava e estava em uma consulta de emergência. Mesmo sem um diagnóstico definido, minha mãe e minha avó saíram satisfeitas do hospital.

            Depois disso, fiquei pensando na diferença que um toque pode fazer. Minha avó se sentiu acolhida com a forma carinhosa que o médico a tocou, ao mesmo tempo que sentiu segurança por ele expor de forma tão clara sua posição de não poder fazer mais nada. Se ela não tivesse recebido tanta atenção, tenho certeza que um pedido de desculpas (se houvesse!) não iria satisfazê-la, e ela iria procurar imediatamente um outro médico.Sei que uma consulta de emergência não favorece a relação médico-paciente, mas admiro a capacidade que este médico teve de driblar isso e fazer com que sua paciente confiasse nele em tão pouco tempo.

DAFNE DE ALBUQUERQUE SIMÃO

ESTUDANTE DE MEDICINA DO 3ºSEMESTRE DA UFC

INTEGRANTE DO PROVIMP

 

                    Este é um relato não de um caso isolado, mas de uma quase constante que percebi, desde que entrei na faculdade.Não se trata ,portanto, de uma única vivência, mas de uma séria de experiências que eu próprio sofri, vi sofrer e creio que vocês também. A saúde dos próprios alunos é um assunto, negligenciado, relevado e mau conduzido, pelos próprios. A saúde aqui como se entende hoje, sendo o perfeito  bem-estar físico, mental e social. Digo isso porque vejo não raros casos de colegas que deixam de praticar exercícios físicos, manter alimentação saudável, reservar momentos para o lazer, procurar aconselhamento médico quando enfermos, enfim práticas que nós próprios temos conhecimento  de que favorecem e promovem a saúde e inclusive, quando profissionais serão frases quase clichês ditas aos nossos pacientes.E nesse ponto devemos nos questionar o motivo de tamanha dificuldade em adequar-se aos padrões ideais, às normas tão estritamente claras em nossas mentes, mas que na prática são deixadas de lado.

                Não posso deixar de pensar que  a carga horária é um dos principais fatores que contribuem para a situação. O curso integral deixa pouco espaço para outras atividades e muitas vezes o pouco tempo livre disponível é utilizado com atividades extra-curriculares, mas que estão associadas à faculdade ou à medicina ( ligas, projetos, laboratórios). As horas semanais são de tal modo disputadas que até mesmo refeições são sacrificadas, pelo tempo que se escassa.

                  Tal estilo de vida não poderia resultar em outro desfecho que não o adoecimento. E aqui entra outro ponto crucial neste ciclo vicioso que prende o jovem à morbidade. O conhecimento é libertador pelo que dizem, mas quando aliado à uma certa arrogância ele de fato se configura em algemas que atormentam o indivíduo. A analogia serve para descrever o auto-diagnóstico, a auto- negação e  até auto-medicação quanto a doença que o  estudante padece.

                 Por fim, quero ressaltar a relevância do tema. O que afinal,isso teria a ver com a relação médico-paciente? Muito, pra falar a verdade. Eu me arriscaria dizer, tudo, de fato. Por vários motivos, na verdade. Não seria hipocrisia nossa exigir condutas ideais de nossos pacientes quando nós próprios não nos esforçamos para tanto?Outro ponto seria que é preciso estar “cuidado” para “cuidar” do outro, Certo que a relação do cuidado é ambivalente, mas algum dos lados deve ser minimante organizado em si, para iniciar o movimento de olhar para o outro e mitigar seu sofrimento.Fica  a lição de que não faz mal algum o médico se deixar ser paciente algumas vezes. É saudável para todos.

VALTER BARBALHO LIMA FILHO

ESTUDANTE DE MEDICINA DO 6ºSEMESTRE  DA UFC
INTEGRANTE DO PROVIMP

 

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